3. O professor
Os (novos) papéis dos professores na implementação da ETP
3.a. Os papéis dos professores em
diferentes culturas
Uma descrição breve e mais ou menos estereotipada do papel do
professor nos nossos países mostra-nos que este pode ser muito diferente e que
a relação professor aluno varia de acordo com a cultura e as suas
especificidades.
Hofstede, um conhecido sociólogo no domínio da comparação de
culturas, afirma que o papel do professor nas culturas está fortemente
relacionado com o modo como a sociedade cultiva a distância nas relações. Por
distância nas relações entendemos o tipo de relação entre pai e filho, patrão e
trabalhador ou professor e alunos/jovens/estudantes.
Quanto mais informalmente se
relacionarem, mais iguais se sentem, mais negoceiam tarefas e actividades, mais
se discute. A ordem na sala de aula é ruidosa (com
fases calmas). Quanto mais formal a relação, mais manda o pai, o professor, o
empregador sobre o que deve acontecer. A discussão é um fenómeno que raramente
acontece. As aulas são calmas. O professor ensina. Há distância, há respeito muitos
dirão.
O resultado de ambas as formas de lidar
com os problemas é o de que, no primeiro caso, professor e alunos discutem as
tarefas e chegam a acordo sobre o que vai acontecer. Ambas as partes se
comprometem com a tarefa e especialmente as crianças através desse
compromisso interiorizam a tarefa. No segundo caso, o professor é a
autoridade que sabe o que é melhor para os alunos e eles confiam nele. Desenvolvem
a tarefa porque o professor manda.
Isto implica que o professor diga como
se resolve o problema, pois uma experiência de séculos nos ensina que esse é o
melhor caminho. No primeiro caso, as crianças descobrem coisas que os
professores e os pais conhecem. Apenas o fazem num período mais curto do que os
seus antecessores. No caso das relações formais, os livros e outros materiais
são importantes para passar o conhecimento das gerações passadas para as mais
novas. No caso das relações informais, os livros e outros materiais servem de
auxiliares do que há-de ser descoberto (por exemplo, na prática, na vida do dia
a dia).
Nas culturas formais, os livros, os
professores e as famílias são os instrumentos através dos quais as novas
gerações aprendem a resolver os problemas do dia a dia. Nas culturas informais tudo e cada um pode ser a coisa que ajuda alguém a
ficar preparado para a vida. Nas culturas
formais, as relações são estritamente preestabelecidas e as crianças sabem como
comportar-se. Nas informais, as crianças aprendem experimentando. As relações são menos rigorosamente preestabelecidas.
Nas culturas em que se cultiva a
distância (culturas formais) é clara a sanção a aplicar quando o aluno não se
comporta bem. Nas culturas em que se cultiva menos a distância, o professor
pondera a melhor forma de o castigar, estando esta ponderação relacionada com
objectivos educacionais de justiça.
Os professores são assim preparados
hoje em dia. Houve um tempo (as décadas de 70 e 80), em que a formação do
professor não acompanhava as mudanças nas sociedades informais. Os professores eram formados como se tivessem de dar
aulas em sociedades formais. Não aprendiam a lidar com negociações, com os
limites a colocar ao comportamento, com modos de usar os livros e outros
materiais. A partir deste século, as sociedades informais podem esperar que a
formação dos seus professores acompanhe mais ou menos o que se passa nas
sociedades que cultivam menos a distância.
O que vemos nos países em que há uma
estrutura de educação formal é uma evolução num sentido de maior informalidade,
de maior negociação sobre tarefas e actividades e uma atitude menos formal do
professor para com os alunos. A razão para isto
é talvez a União Europeia, em que há contactos muito mais intensivos no domínio
da formação do que no passado.
Não obstante, temos de reconhecer que
genericamente há diferenças importantes, por exemplo, entre o Norte e o Sul da
Europa.
3.b.
Mudanças nas competências esperadas dos professores na Europa
Nos últimos 10 anos, os especialistas em
educação concentraram-se fortemente na profissão de professor.
Retrospectivamente, acreditava-se, nos anos 70, que a reforma da educação tinha
de ser a reforma do currículo. A definição de
objectivos também se tornava cada vez mais importante. Em todos esses anos o
professor estava como que fora do campo visual. Só a partir dos anos 90 é que as competências e conhecimento dos
professores passaram a ser objecto de investigação. Foram publicados os primeiros estudos sobre o modo como as novas gerações
eram formadas. Esta questão permanece em aberto e os especialistas
concentram-se agora no novo professor.
Como se sabe, o construtivismo é uma
teoria que é hoje reconhecida em toda a Europa e é responsável pela concepção
de centralidade do aluno, ou melhor, da aprendizagem da criança com este quadro
de referência. As pessoas constróem o saber e acrescentam novo saber, não sem
significado, mas, pelo contrário, sobretudo saber que tenha significado.
O conhecido psicólogo da aprendizagem
holandês Carel von Parreren e seu discípulo Vygotsky descreveram esta forma de
aprender, já nos anos 70, e, mais tarde, nas suas publicações para candidatos
ao ensino das Escolas Normais.
O construtivismo teve consequências
para a formação de professores, em geral, e para professores de ETP, em
especial.
Um outro desenvolvimento neste domínio
é o enfoque em competências. Também por toda a Europa os especialistas da
educação se foram cada vez mais concentrando nas competências dos professores,
o que está intimamente relacionado com os desenvolvimentos da moderna
psicologia da aprendizagem no domínio do referido construtivismo.
Na Holanda há publicações que mencionam
5, outras 7 e outras, até mesmo, 9 competências, que terão sido identificadas
para os professores.
Uma competência é a capacidade de
executar tarefas e resolver problemas que fazem parte de um cargo ou papel
profissional, mobilizando um conjunto de saberes, técnicas e qualidades
pessoais numa situação de trabalho complexa.
Para a análise das competências
globais, distinguimos 7 domínios:
- o domínio pedagógico,
- competência científica na disciplina,
- relações interpessoais,
- o domínio organizacional
- o da cooperação com os colegas e
- da cooperação com o meio e, por fim,
- o da reflexão sobre o desenvolvimento profissional.
Estas competências, em conjunto com os
novos desenvolvimentos da psicologia da aprendizagem, são indiscutivelmente
relevantes para o campo do ETP.
No capítulo 1 (ponto 3) descrevemos a
abordagem orientada para o desenvolvimento (OGO) na Holanda. Esta abordagem da
educação de crianças entre os 4 e os 12 anos de idade é, de certo modo, um
conceito que advém dos referidos novos desenvolvimentos do construtivismo e das
competências dos professores e com eles se relaciona.
Eis algumas características-chave do ensino
orientado para o desenvolvimento:
- A aprendizagem fomenta a participação em actividades
estruturadas, como, por exemplo, o ensino
- A aprendizagem é um processo de construção social
- A pedagogia, a didáctica e a metodologia da disciplina
não podem estar separadas, estão inter-relacionadas.
- O conteúdo de aprendizagem tem sempre um significado
pessoal
- A aprendizagem é produção que se baseia na investigação.
As suas consequências para o currículo
são as seguintes:
a. O
currículo é construído por actividades significativas. Os objectivos decorrem destas actividades significativas (enquanto que no
passado começávamos pelos objectivos). A
construção do currículo resulta da colaboração entre professor e alunos. Ambos se encontram num processo de construção recíproco.
b. Os
alunos, as crianças, são produtores de resoluções de problemas. Produzem investigação e produtos concretos.
c. (...)
3.c. O
papel esperado do professor de ETP
Depois de uma breve descrição das
competências do professor, em geral, poder-se-á descrever do seguinte modo as
tarefas de um professor, em relação à sua disciplina:
- Despertar e desenvolver a motivação e o empenhamento na
aprendizagem;
- Incentivar o aluno a progredir no seu desenvolvimento;
- Ensino planeado através de objectivos externamente definidos;
- Orientado para o desenvolvimento, através do jogo, e
orientado para a tarefa, através da aprendizagem;
- Projectar meios adaptados às crianças individualmente e
às diferenças entre elas;
- Compreender o essencial da disciplina e relacioná-lo com
o mundo emocional e experiencial da criança;
- Acrescentar e adaptar os recursos educativos às
necessidades e estilos de aprendizagem das crianças, em concordância com os
objectivos do ensino.
Os requisitos específicos dos
professores do domínio da ETP são equivalentes às competências essenciais que
os alunos têm de adquirir (vide Capítulo 1, ponto 3.5), o que significa
que estas têm também de ser exigidas aos professores. Aqui se transcrevem as
que foram referidas no Capítulo 1:
- autodomínio
- curiosidade
- autoconfiança
Estas características essenciais são
objectivas e válidas para o desenvolvimento e a aprendizagem no ensino primário
e para todo o processo de aprendizagem.
As competências são necessárias para
que as crianças iniciem o seu desenvolvimento da personalidade e aprofundem a
sua autonomia.
Distinguimos aqui:
A. Ser activo, tomar a iniciativa,
fazer planos
B. Comunicação e linguagem
C. Brincar e trabalhar em conjunto
D. Descobrir o mundo
E. Auto-representação e criação
F. Fantasia e criatividade
G. Compreender símbolos, signos e
significados
H. Reflexão
I. Investigar, argumentar e resolver
problemas.
Uma primeira identificação das
competências dos professores no campo da ETP como conclusão desta secção:
Os professores devem ter:
- autodomínio;
- autonomia;
- curiosidade;
- atitude positiva face a novos desenvolvimentos;
- autoconfiança
- competência científica e técnica no domínio do ETP
- abertura a perguntas e necessidades de crianças e colegas
(nacionais e internacionais).
3.d. O que
tem de ser mudado para que se desenvolva uma atitude adequada ao ETP
Resumidamente, há, na prática diária,
muitos obstáculos à exigência das competências de professores de ETP, como as
acima descritas.
- Em primeiro lugar, há a barreira cultural. Modos de ensinar a que nos habituámos e que têm as suas raízes na cultura nacional
são muito difíceis de mudar. É preciso, por
vezes, esperar pela melhor oportunidade. Acreditamos que a oportunidade já
tenha chegado. Acreditamos que também os professores
de culturas mais formais possam tornar-se independentes das regras, possam
experimentar coisas novas e pensar de forma autónoma.
- Em segundo lugar, há uma atitude geral das pessoas, uma
atitude culturalmente determinada, quanto ao que é próprio de rapazes e próprio
de raparigas e quanto ao que rapazes e raparigas pensam sobre isso (vide
Falco de Klerk Wolters, A PATT study among 10-12 year old students in the
Netherlands, Journal of Technology Education, Vol. 1, Nr 1, Fall 1989).
- Em terceiro lugar, há uma barreira entre pedagogos e suas
teorias sobre o modo como as crianças se desenvolvem e em que idade se pode
começar a estimular novos desenvolvimentos. A este propósito, é importante ter conhecimento sobre a zona de
desenvolvimento próximo (Vygotsky).
- Em quarto lugar, o conhecimento (ou a falta dele) é
também um obstáculo para os professores no domínio do ETP. Além do
conhecimento, os professores também sentem a falta da experiência. Como os
professores são, em geral, pessoas activas, propomos que eles aprendam, fazendo
ou observando os colegas a trabalhar com as crianças. Isto é motivador e este
processo de formação profissional pode ser muito eficaz. Para lá do que se
deverá referir a indispensabilidade da aquisição do conhecimento teórico.
- Um quinto obstáculo é a falta de novo input. Cremos que, depois de começar, os professores necessitam
de apoio e novas ideias e certamente também de intercâmbio de experiências. O
intercâmbio de ideias é muito importante e aquirir bons exemplos de prática é o
mínimo que se pode esperar.
- Um último obstáculo pode ser o facto de não haver um
tempo dedicado à ET(P) no currículo. Como já
dissemos, pensamos que a ET(P) pode e deve ser incluída em outras
actividades/disciplinas.