Nesta
secção, centramo-nos no ensino do conhecimento cultural, em geral, e do
tecnológico, em particular. Queremos, fundamentalmente, falar de professores e
das suas tarefas didácticas no apoio, organização, orientação e avaliação do
processo de aprendizagem.
1. Ensinar
tecnologia no Jardim-de-Infância e na escola primária
A primeira consideração a fazer é a de que o nosso
projecto está relacionado com a educação de infância e o ensino primário e que
estes envolvem duas espécies de professores. A
formação inicial dos professores da educação pré-escolar e do ensino primário
é, em geral, diferente e, em alguns países, até o seu estatuto é diferente.
Embora a maior parte dos currículos da educação de
infância esteja organizada em áreas de desenvolvimento gerais e não em
disciplinas específicas (biologia, física, etc.), o nosso projecto avaliou
conteúdos disciplinares, pois que o nosso propósito é melhorar a educação
tecnológica na educação de infância e nas escolas primárias. Eis por que a
nossa abordagem é inevitavelmente disciplinar, embora o não seja o contexto
escolar onde as nossas propostas seriam implementadas. Em consequência,
referir-nos-emos aqui aos professores que são responsáveis pela educação
tecnológica, sejam eles da educação pré-escolar ou da primária, embora a
priori a tarefa seja mais difícil para os primeiros.
Contudo, gostaríamos de matizar o significado da
abordagem disciplinar de diferentes formas. Durante anos, tem-se discutido se
se deve ensinar conteúdos culturais às crianças ou se o seu desenvolvimento é o
único objecto da educação. Esta discussão é bastante abstracta e perde sentido
se mudarmos os termos e o seu significado for analisado com mais pormenor.
Em primeiro lugar, uma abordagem disciplinar está
muitas vezes relacionada com o ensino que reproduz os padrões e estruturas
fechadas das disciplinas. Este não é, de modo nenhum, o significado que
queremos atribuir a esta abordagem: para nós, disciplinar é sinónimo de
contextual e o nosso padrão estrutural é holístico.
Em segundo lugar, o desenvolvimento não pode ser ensinado;
apenas pode ser estimulado pelo ensino. Se o ensino estiver bem concebido e for
bem implementado, a aprendizagem será mais eficaz e o desenvolvimento mais
completo e equilibrado. No entanto, quer o ensino, quer a aprendizagem, são
sempre contextuais. Por exemplo, as crianças aprendem a ver o mundo procurando
semelhanças e diferenças nos contextos, quer se trate de cores, formas
geométricas, a estrutura de uma planta, uma imagem num espelho ou a oxidação de
objectos de ferro, etc.. A situação pode ser tão geral quanto se deseje e
múltiplos os modos de olhar, mas o olhar é sempre contextual.
E é a esta contextualização que nos referimos
quando falamos de abordagem disciplinar: queremos organizar situações de
aprendizagem que possam ser analisadas em termos tecnológicos.
1.1. Fará
sentido ensinar tecnologia a crianças do Jardim-de-Infância?
Dado que educamos para incentivar o desenvolvimento
individual e a integração da criança no mundo do adulto, precisamos de educação
tecnológica, porque a influência da tecnologia na vida dos adultos é inegável.
Se estamos de acordo que temos de desenvolver as capacidades de compreensão e
acção no contexto das relações sociais, por que não no contexto científico ou
tecnológico?
Dewey (1897) já deu a resposta no seu credo
pedagógico:
Se a educação é vida, toda a vida tem à partida um
aspecto científico, um aspecto de arte e cultura e um aspecto de comunicação.
Não pode, pois, ser verdade que os estudos adequados a determinado grau de
ensino sejam meramente ler e escrever e que num grau subsequente já possam ser
integradas a leitura, ou a literatura, ou a ciência. O progresso não está na
sucessão de estudos, mas no desenvolvimento de novas atitudes face à experiência
e de novo interesse na experiência. J. Dewey, My
pedagogic creed, 1897
Tão-pouco devemos esquecer que na educação de
infância existe já uma longa experiência didáctica no campo da ciência, que ao
longo dos anos tem vindo a aumentar continuamente.
Em resumo, nesta secção discutiremos o papel do
professor no ensino do conhecimento cultural, em geral, e do tecnológico, em
especial. As características, capacidades e actividades do professor, por nós
analisadas, têm de estar adequadas ao nível das crianças. Esta adaptação está
patente, em detalhe, nas propostas de unidades didácticas específicas.
1. 2. O
professor e o design do currículo
Falar de ensino cultural implica automaticamente
que há alunos que têm de aprender determinados conteúdos e um professor encarregado
de supervisionar o desenvolvimento adequado deste processo de aprendizagem.
De facto, o conhecimento cultural a ser ensinado, a
criança, e o professor são tradicionalmente vistos como os três pólos do
chamado triângulo didáctico.
O
conteúdo cultural tecnologia, neste caso , que tem de ser ensinado, está num
vértice do triângulo. É um conhecimento socialmente construído, através do qual
se vê, interpreta e avalia o mundo de uma determinada forma. Num outro vértice
está a criança, que vê e interpreta o mundo à sua maneira. A criança tem os
seus próprios interesses, muitas vezes diferentes dos interesses dos adultos e
constrói o conhecimento, através das suas competências cognitivas, num ambiente
social que a condiciona e estimula. No terceiro vértice está o professor, que
utiliza as suas competências profissionais para facilitar o processo de
aprendizagem da criança e é condicionado, não só pela instituição, mas também
pela sua concepção de tecnologia e de processo de ensino e aprendizagem.
Os três vértices deste triângulo estão
interrelacionados no ambiente escolar e levam à intervenção didáctica, isto é,
ao desenho e implementação do currículo. O currículo é entendido como o
conjunto das actividades de ensino e aprendizagem que têm lugar na escola.
Em resumo, poder-se-á dizer que o contexto
educacional em que o professor desempenha a sua função didáctica é o seguinte:
A sociedade determina que, para virem a ser
competentes no mundo dos adultos, as crianças têm de ser equipadas com
determinado conhecimento cultural (tecnológico, no nosso caso) que lhes fornece
a chave para compreenderem e agirem no mundo.
No entanto, isto não é simples e as crianças
precisam de apoio, porque são condicionadas por determinados factores sociais.
No melhor dos casos, mesmo quando uma criança tem competências cognitivas
fabulosas e um fabuloso desejo de aprender, tem os seus próprios interesses e
modos de compreender o mundo, que muitas vezes chocam com o que a sociedade
decidiu que ela deveria aprender.
No meio escolar, os professores têm a
responsabilidade de ajudar as crianças no seu processo de integração no mundo
cultural dos adultos. Para o fazerem, têm de usar o conhecimento fornecido
pelos psicólogos, pedagogos e outros profissionais do ensino, para poderem
transformar o conhecimento cultural (tecnológico, no caso vertente) e organizar
actividades de aprendizagem que sejam apropriadas ao estádio de desenvolvimento
da criança (Arcà et al., 1990).
Neste contexto educacional, podem distinguir-se
três funções diferentes, mas relacionadas:
- selecção e adaptação de conteúdos e concepção de actividades de ensino e
aprendizagem,
- orientação de actividades, e
- avaliação do processo de ensino e aprendizagem.